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Sínodo Indigenista

Sínodo Indigenista

 

           Rosalvo Lima dos Anjos

26 de junho de 2023

 

Aos vinte e quatro dias do mês de junho do ano de 2023, o sínodo Boe-Bororo teve início pela manhã na serenidade da Casa de Retiro de São Lourenço de Fátima. Às 9 horas, os primeiros passos foram dados em direção a um encontro marcante. Esse marco foi saudado com uma oração tradicional, entoada pelo casal Sebastião e Valdomira, representantes da aldeia Córrego Grande. Suas palavras reverberaram com a essência da tradição.

Logo em sequência, a atmosfera espiritual se estendeu com a oração na língua Boe-bororo. Ancião e bispo, lado a lado, entoaram a bênção de abertura do sínodo. Suas palavras, como um eco do sagrado, permearam o espaço, abençoando o encontro e todos os corações ali presentes.

Com as bases espirituais lançadas, o momento de apresentações teve início, guiado habilmente pelo mestre Mário, SDB. Esse ritual de apresentação não apenas uniu nomes aos rostos, mas também estreitou laços de compreensão mútua.

Em seguida, Dom Maurício Jardim, tomou a palavra para compartilhar uma breve reflexão sobre a essência de um sínodo. Suas palavras trouxeram à luz o verdadeiro significado dessa reunião, que transcende as paredes físicas e os indivíduos ali presentes. Ele pontuou com planejado que um sínodo é um “caminhar juntos”, um passo coletivo em direção ao entendimento e à colaboração.

No centro de sua mensagem estava o princípio da escuta. Dom Maurício enfatizou que a escuta é a espinha dorsal desse processo, uma troca de palavras e ideias que exigem que cada um ouça mais do que fale. Essa postura de humildade, que coloca o compartilhamento das vozes acima da afirmação individual, ressoou profundamente, ecoando o compromisso com a compreensão genuína e a harmonia.

Assim, o sínodo Boe-Bororo foi lançado, não apenas como uma reunião, mas como um espaço sagrado de encontro, aprendizado e colaboração. Enquanto a oração, a bênção, as apresentações e as palavras de Dom Maurício moldavam o ambiente, as sementes do diálogo e da ação conjunta plantadas, prometendo um futuro de compreensão compartilhada e crescimento espiritual.

Ao retorno do lanche, todos presentes foram divididos em 05 grupos para a reflexões seguintes: 01) O que tem de bom na cultura e na vida dos Boe-Bororo? 02) O que tem de ruim na cultura Boe-Bororo? 03) O que tem de bom e de ruim na vida dos Brae, dos não-índios? Após o descanso, cada grupo teve a oportunidade de expor o que foi pontuado em seu grupo, abaixo seguem as perguntas e as respectivas respostas de cada grupo:

01 O que tem de bom na cultura e na vida dos Boe-Bororo? 

  • Tradição;
  • Organização social e geográfico;
  • Língua própria;
  • Identidade Bororo;
  • Visão de mundo diferente;
  • Transmissão cultural e cosmológica de forma oral;
  • Preservação e respeito com a natureza;
  • Rituais;
  • Medicina natural;
  • Reconciliação após brigas;
  • Acolhimento dos Brae, até ser parentes;
  • Caça, pesca, dança, rituais;
  • Liberdade e segurança para as crianças;
  • Festa do milho;
  • Dia dos povos indígenas;
  • Empregos nas aldeias;
  • Simbologia na cultura;

02 O que tem de ruim na cultura Boe-Bororo?

  • Desunião e falta de compromisso com a comunidade;
  • Alcoolismo;
  • Falta de incentivo dos pais para preservar a cultura (preferem oferecer refrigerante quemaxixi);
  • Brigas;
  • Perca das terras;
  • Desuso e enfraquecimento das tradições;
  • Falta de adaptação e execução das leis para que os indígenas participem dos rituais;
  • Pessoas que morreram sem passar conhecimentos;
  • Pouca participação;
  • Pouco uso da língua Boe;
  • Falta de anciãos para ensinar;
  • Uso excessivo das tecnologias;
  • Desmatamento;
  • Falta de Pajé;
  • Falta de assistência na saúde;
  • Falta de catequese;
  • Perdeu-se o costume de reuniões para planejamento da aldeia;

 

03) O que tem de bom na vida dos Brae, dos não-índios?

  • Traz conhecimento para as aldeias;
  • Evolução digital;
  • Futebol;
  • Escola;
  • Posto de saúde;
  • Empregos gerados na cidade;
  • Mistura de culturas;
  • Facilitar acesse as aldeias;
  • Assistência das paróquias;

 

04) O que tem de de ruim na vida dos Brae, dos não-índios?

  • Não índios chegam e não querem se adaptar a cultura indígena;
  • Entrada do uso de bebidas, drogas ilícitas nas aldeias e envolvimento com tráfico;
  • Não valorização das culturas Boe;
  • Mau uso da tecnologia;
  • Material didático da escola foge da cultura;
  • Descaso na saúde;
  • Centralização de atendimentos;
  • Falta de respeito com os direitos Boe;
  • Braenão querem ensinar a cultura Boe;
  • Não execução das leis para os povos indígenas;

 

Na sequência, o mestre Mário tomou a palavra, iluminando a assembleia com uma reflexão profunda que ecoou os ecos das discussões prévias. Ele seguiu uma conexão entre as perspectivas compartilhadas pelos diferentes grupos, destacando que a pergunta inicial não deveria ser interpretada no sentido negativo, mas sim como uma oportunidade para abordar aspectos menos positivos dentro das culturas representadas.

Com clareza e sutileza, ele guiou a discussão através de uma jornada de autoconhecimento cultural, ressaltando que cada cultura é composta por elementos positivos e negativos. Essa análise não se tratou de uma crítica mordaz, mas sim de um exercício de introspecção destinado a promover o crescimento e a compreensão mútua.

A ênfase estava em reconhecer que, independentemente da origem cultural, há aspectos a serem celebrados e áreas que podem ser melhoradas. O mestre Mário destacou que essa reflexão coletiva serviu como um catalisador para a evolução constante, uma jornada compartilhada para aprimorar a vida das comunidades.

Concluída a reflexão, as portas foram abertas para que aqueles que desejassem compartilhar suas considerações o fizeram. Foi nesse momento que três membros da comunidade indígena se manifestaram, dando voz aos pontos discutidos durante as exposição. Suas palavras ressoaram com confiança, validando as ideias previamente expostas. Esse testemunho direto dos indígenas garante a importância de enfrentar as realidades culturais com honestidade e disposição para o crescimento.

Dessa maneira, a reunião se tornou uma arena de aprendizado mútuo, onde a autorreflexão e o diálogo genuíno moldaram um espaço de entendimento mais profundo. As palavras do mestre Mário, aliadas às vozes indígenas que confirmam os pontos abordados, ecoaram como um convite para a transformação positiva, um convite para que as culturas se fortaleçam em suas virtudes e trabalhem para superar suas fraquezas, em um processo contínuo de crescimento e colaboração.

As 16h foi servido o lanche da tarde, e após o lanche foi dividido em três grupos por faixa etária de idade, que que assim a discussão acontecesse de acordo a realidade, grupo de jovens (até 25 anos), meia idade (26 a 45 anos) e anciãos (acima de 46 anos); para se discutir as seguintes perguntas: 01) Como é a espiritualidade Boe-Bororo? 02) Como é a espiritualidade cristã? 03) A espiritualidade Boe-Bororo e a espiritualidade cristã podem andar juntas? Se a resposta é sim, como podem andar juntas? Os pontos que foram expostos por cada grupo são:

  • Como é a espiritualidade Boe-Bororo?
  • Bope – como se fosse o diabo;
  • Alguns alimentos que não podem comer fazem parte da espiritualidade; se o pajé purificar pode comer os animais;
  • Ritual de passagem acontece no funeral, e somente homens fazem e podem assistir;
  • Ervas medicinais que fazem parte da espiritualidade;
  • Espiritualidade na natureza;
  • Alguns rituais as mulheres não podem nem ficar sabendo, se ficar sabendo morre;
  • Rito fúnebre;
  • Três dias de funeral;
  • Reencarnação dos espíritos em animais;
  • Visão integral da pessoa – alma e corpo;

 

  • Como é a espiritualidade cristã?
  • Precisa de uma melhor catequese nas aldeias;
  • Necessidade de sacramentos;
  • Purificação;
  • Batismo aproximação entre famílias e bençãos para a criança;
  • A espiritualidade cristã fortalece a espiritualidade Boe, e uma ajuda a outra a crescer;

 

  • A espiritualidade Boe-Bororo e a espiritualidade cristã podem andar juntas? Se a resposta é sim, como podem andar juntas?
  • Respeito de ambas as culturas;
  • Aceitação dos sacramentos dentro das aldeias – respeito no casamento que teve na aldeia;
  • Presença de pajé para conciliar;
  • Céu e inferno em comum;
  • Hierarquia dos espíritos;
  • Visão interligada da pessoa – por uma espiritualidade cristã e indígena interligada;

Tendo em vistas o que foi pontuado por cada grupo, fica evidente que as duas culturas podem não apenas coexistir, mas também se enriquecer mutuamente por meio de uma sinergia entre elas. Essa fusão cultural não apenas contribui para uma compreensão mais profunda e respeitosa entre diferentes sistemas de crenças, mas também realça o paralelo notável existente entre a fé que permeia essas culturas aparentemente distintas.

Ao observar as tramas da fé, é surpreendente perceber uma miríade de símbolos e valores compartilhados entre diferentes tradições religiosas. O simbolismo da luz, por exemplo, é uma constante que transcende fronteiras e tem conotações semelhantes em várias religiões. A cruz, um ícone reverenciado em muitas correntes cristãs, tem um equivalente em outras crenças, representando a união entre o divino e o humano. Esses símbolos compartilhados, apesar de expressos de maneiras diversas, conectam as culturas e demonstram a base comum de espiritualidade que subjaz a elas.

A proximidade entre as culturas é frequentemente subestimada. As tradições religiosas muitas vezes se desenvolvem em contextos geográficos e históricos distintos, ocorreram em abordagens aparentemente divergentes. No entanto, uma análise mais profunda revela os fios invisíveis que entrelaçam essas culturas, alimentando-se de valores semelhantes de compaixão, amor ao próximo e busca por um propósito mais elevado com Deus. A partir dessa perspectiva, a distância entre as culturas se encurta, dando espaço para uma convivência harmoniosa.

O desejo pela presença da igreja por parte dos “boes” também ressalta a ânsia humana por um senso de comunidade e orientação espiritual. Independentemente da cultura de origem, a busca por um espaço onde a fé possa ser compartilhada e nutrida é uma constante que une as pessoas. Esse anseio transcende a diversidade cultural e une corações em uma jornada espiritual conjunta.

Portanto, as culturas podem, de fato, caminhar juntas, encontrando um terreno comum no paralelo entre a fé que nutre os seres humanos. Através da descoberta de símbolos em comum, do reconhecimento da proximidade entre diferentes culturas e da compreensão do anseio humano pela presença da espiritualidade, estamos aptos a cultivar uma convivência enriquecedora e respeitosa que celebra a diversidade e a unidade intrínseca à experiência humana.

Na noite do sábado, houve um jantar temático em comemoração à São João e em seguida encerrou os trabalhos do dia.

No dia 25, foi servido o café da manhã e em seguida deu-se início aos trabalhos de escuta. As atividades desse dia foram mediadas por Silvia (missionária do CIME) e Paulo Otávio (pastoral indigenista), que começou com uma síntese do dia anterior e em seguida uma exposição dos grupos de reflexões do dia anterior a respeito da espiritualidade Boe e Cristã, onde foi refletido que após os pontos que foram mencionados pode- se perceber que as culturas e fé podem sim caminhar juntas. Após a exposição foram divididos novamente os grupos por idade para as reflexões seguintes: 01) O que os Boe-Bororo querem dos missionários? 02) Como os missionários podem escutar os Boe-Bororo? 03) Como os Boe-Bororo podem ser missionários do seu próprio povo?

  • O que os Boe-Bororo querem dos missionários?
  • Conhecimento; catequese de crianças e adultos;
  • Catequese específica sobre a Santa Missa;
  • Mais missionários nas aldeias;
  • Ensino religioso para todos, além da catequese;
  • Missões com brincadeira, gincanas e aulas – como em meruri;
  • Mais missas nas aldeias;
  • O padre e bispo ir não somente quando tem batizado e crisma;
  • Seminaristas na aldeia;
  • Defesa dos direitos;
  • Respeito das diferenças;

 

  • Como os missionários podem escutar os Boe-Bororo?
  • Presença dos missionários no cotidiano das aldeias;
  • Estando presente não somente no horário da missa, mas passando mais tempo com as famílias nas aldeias;
  • Conhecer a cultura Boe;
  • Missionários morarem dentro da aldeia;

 

  • Como os Boe-Bororo podem ser missionários do seu próprio povo?
  • Precisam de formação para saberem como ser missionários;
  • Formação para catequistas liturgia, e missão em geral;
  • Ensinando as crianças desde pequenos a serem missionários;
  • Chegar o curso de teologia para leigos nas aldeias, mesmo que on-line;

 

Após um período de profunda reflexão, os grupos envolvidos na discussão trouxeram à luz os pontos cruciais que haviam sido previamente delineados. Durante a exposição desses pontos, ficou claro o controlado entre as visões desses grupos, destacando elementos que ressoam em ambos os lados. O momento serviu para consolidar as ideias e criar um quadro coeso de entendimento.

No confronto das exposições, Dom Maurício, proferiu palavras de grande impacto. Com ênfase inquestionável, ele elucidou a expectativa central dos Bororos em relação à Igreja. A comunidade indígena anseia por uma assistência espiritual mais substancial, uma assistência que transcende as barreiras culturais e se conecta com a realidade intrínseca aos Bororos. Esse chamado ressoa com a necessidade de uma abordagem sensível e adaptada, capaz de honrar a tradição e a espiritualidade única dessa cultura.

Dom Maurício instigou um chamado à ação, uma chamada para que as deliberações do sínodo não se prendam apenas à teoria. Ao contrário, ele defendeu a urgência de transformar as ideias em ações palpáveis ​​e eficazes, especialmente nas aldeias onde a vida e a espiritualidade dos Bororos se intensificaram. Esse apelo direto é uma lembrança de que a verdadeira mudança ocorre quando a teoria encontra sua expressão na prática, quando os conceitos ganham vida nas vidas daqueles a quem servem.

Esse chamado à ação está intimamente ligado à dimensão do “AGIR”. Essa dimensão envolve não apenas a formulação de planos, mas também a implementação diligente desses planos no cenário real. É uma manifestação concreta do compromisso da Igreja em caminhar lado a lado com os Bororos, respondendo às suas necessidades espirituais e práticas de maneira tangível. Ao abraçar a dimensão do “AGIR”, o sínodo sinaliza sua disposição de não apenas debater e planejar, mas de transformar os sonhos compartilhados em realidade concreta nas aldeias Bororos.

Dessa forma, o apelo de Dom Maurício ecoa como um poderoso motivador de que a conexão entre fé e ação é essencial. A fé deve se traduzir em ações que beneficiam aqueles que professam. Através desse compromisso mútuo e colaborativo, a Igreja e os Bororos podem trilhar um caminho de respeito, compreensão e transformação, onde a assistência espiritual e as ações práticas se entrelaçam para criar um futuro mais promissor e harmonioso para ambos.

Em uma das exposições uma jovem indígena, fez a seguinte afirmação: “Não é porque estamos longe que temos que ser esquecido por vocês”. Essa sentença carrega a essência da voz de um Bororo, ecoando o desejo profundo de permanecer presente na memória e nos corações, mesmo quando a distância geográfica nos separa. Transmite uma mensagem de que a conexão transcende a barreira física, e que a distância não deve ser um obstáculo para manter vivo o laço que nos une. Essa declaração reflete a importância da lembrança mútua, do compartilhamento de lembranças e do respeito pela continuidade do vínculo, independentemente das circunstâncias externas.

Essa assertiva ressalta de maneira explícita a missão fundamental do sínodo: o ato de “escutar”. Ela ilustra claramente o propósito central, que é manifestar a presença genuína junto aos povos originários. Isso reforça a importância de se estabelecer uma conexão significativa, demonstrando que o objetivo principal é oferecer ouvidos atentos para entender suas necessidades, desejos e perspectivas. Essa ênfase na escuta reflete o compromisso profundo de estar presente de verdade, transcender fronteiras e criar um espaço onde as vozes dos povos indígenas possam ser verdadeiramente ouvidas e valorizadas.

 

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